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A Idade da Peste emprega sua abordagem contundente contra o racismo em novas apresentações

Cácia Goulart em "A Idade da Peste"

Foto: Cacá Bernardes

O que aconteceria se uma mulher branca de classe média alta realmente se descobrisse branca? A que custo isso se daria, e qual o discurso possível dessa constatação? Foi a partir dessa provocação que o dramaturgo Reni Adriano e a atriz Cácia Goulart, artistas do Núcleo Caixa Preta conceberam o bem-sucedido solo A Idade da Peste. 

O espetáculo estreou em 2021 no Sesc Pinheiros e agora ganha novas apresentações gratuitas nos Teatros Arthur de Azevedo (de 14 a 17 de março) e Cacilda Becker (entre os dias 21 e 31 de março)A temporada de circulação é possível graças ao apoio da 17ª edição do Prêmio Zé Renato.

Na trama, Senhora C. assiste ao assassinato do filho da empregada, encurralado pela polícia, dentro da sua casa de classe média alta. O episódio desencadeia um profundo exame de consciência em que os desejos inconfessados da branquitude emergem como um marcador racial aterrorizante, questionando a própria possibilidade de justiça em um mundo feito à imagem e semelhança dos brancos. 

Escrita por um dramaturgo negro para atuação de uma atriz branca, a peça mobiliza e tensiona os marcadores identitários raciais de modo a evidenciar que, antes de ser um “problema de negros”, o racismo é um flagelo de brancos. O exercício de franqueza de uma mulher branca sobre a perversão de seu próprio status identitário torna A Idade da Peste uma assombrosa reflexão em que pensar o racismo é um debate sobre o mal.

Mas engana-se quem espera da atuação de Cácia Goulart uma personagem branca se autoelogiando como “antirracista” ou performando mea culpa e comiseração. “Senhora C. não tem esse complexo de Princesa Isabel; não pretende ser reconhecida como a ‘branca redentora’ da causa. Pelo contrário: ela é consciente da infâmia do lugar racial que ocupa, sabe que esse lugar é indefensável”, reflete Cácia, que também assina a direção da peça. 

Para ela, o risco da abordagem pelo viés escolhido seria a tentação de redimir a personagem, ou cobri-la de elogios por sua consciência racial. “Mas a desgraça dela é saber que não basta ter consciência: ela está, como branca, submersa na indignidade, uma vez que reconhece seu lugar na branquitude, mas é incapaz de desocupar esse lugar privilegiado”, conclui.

Para o dramaturgo Reni Adriano, esse assunto costuma ser violentamente rechaçado por pessoas brancas, porque instintivamente reconhecem que subjaz a esse tema-tabu uma dose dolorosa de vergonha e infâmia. “Mas o status da branquitude se perpetua e se atualiza justamente nesse silenciamento”, pondera. Além disso, o autor, que é negro, ironiza que escrever para uma atriz branca funcionaria como uma espécie de mascaramento para que brancos possam ouvi-lo de boa vontade. 

“O fato de sermos um país em que negros não têm um dia sequer de descanso só é possível ao preço de que os brancos tenham uma dignidade muito frágil. Eu quero questionar essa dignidade frouxa dos brancos. Debater racismo com negros é fácil; o que eu quero é racializar os brancos em cena e situá-los no lugar de suas responsabilidades”, crava. 

Para o Núcleo Caixa preta chamar à responsabilidade pelo desnudamento da branquitude implica um vasto exercício de solidariedade para com todos os que a branquitude degredou como o outro do branco. O parâmetro de humanidade à semelhança da branquitude, ao custo da violação da diferença até o paroxismo predatório de pôr em risco a sobrevida do planeta, aqui é repensado à luz de uma comunidade de destino engajada em outras possibilidades do humano, balizadas notadamente pelo perspectivismo das culturas negras e ameríndias.

Sinopse de A Idade da Peste

Em “A Idade da Peste”, uma mulher branca assiste ao assassinato do filho da empregada, acossado pela polícia, dentro da sua casa de classe média alta.  O episódio desencadeia um profundo exame de consciência em que os desejos inconfessados da branquitude emergem como um marcador racial aterrorizante, questionando a própria possibilidade de justiça em um mundo feito à imagem e semelhança dos brancos. 

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Sobre o Núcleo Caixa Preta

Fundado em 1999 por Cácia Goulart, Joaquim Goulart e Reni Adriano. O Núcleo Caixa Preta ao longo de sua trajetória pesquisa estruturas dramatúrgicas não convencionais e os sentidos da narrativa. Não por acaso, mais de uma vez buscou na literatura universal inspirações que, associadas à expressão teatral, trouxeram à tona temas pungentes da condição humana e das relações sociais, como as opressões nas relações de trabalho, a morte, o racismo estrutural, violência de gênero, entre tantos outros, estabelecendo pontos de contato que se atualizam e dialogam com o público, em suas dimensões políticas e estéticas. 

Participou de várias Mostras Nacionais e Festivais Internacionais e recebeu 03 Indicações do Prêmio Shell de Melhor atriz para Cácia Goulart: A morte de Ivan Ilitch (2013), Bartleby (2008) e Navalha na carne (2003), e Indicação do Prêmio Aplauso Brasil com o espetáculo Hilda (2018) para Melhor Trabalho de Grupo e melhor atriz para Cácia Goulart. 

Entre as principais realizações destacam-se: A Idade da Peste (2021), Hilda (2018), A Morte de Ivan Ilitch (2013), O Abajur Lilás ou Uma Medeia Perdida Na Augusta? (2013), Menina Nina: Duas Razões Para Não Chorar (2010), Dissidente (2010), Bartleby (2008), Navalha na Carne (2003), Quando as Máquinas Param (2001), Cegonha, Avião… Mentira, Não! (1999) e Medeia é um Bom Rapaz (1999).

*Esse texto foi gentilmente cedido pela assessoria de imprensa.

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