Pela própria história, sabemos que houve um conflito entre as rainhas e primas Elizabeth I (1533-1603) e Mary Stuart (1542-1587), e este é o pano de fundo para uma discussão sobre as relações de poder no espetáculo Maria da Escócia. A dramaturgia é de Fernando Bonassi e a direção fica a cargo de Alexandre Brazil. A peça que é estrelada por Bete Dorgam e Kátia Naiane, foi inspirada no texto “Mary Stuart” do alemão Friedrich Schiller.
O espetáculo em questão que já proporcionou uma experiência audiovisual um tanto quanto diferente para o público, é o segundo trabalho de Alexandre Brazil que nasce de uma investigação das rainhas renascentistas. De acordo com Alexandre, o primeiro destes trabalhos foi “O Sorriso da Rainha” que foi sobre a própria Elizabeth I. Ele ainda planeja montar uma peça sobre Ana Bolena (1501/1507 – 1536), mãe na monarca.
“A pesquisa nasceu da minha paixão por William Shakespeare, que eu considero o maior dramaturgo que já existiu. Eu já montei nove espetáculos do bardo e, em todos esses trabalhos, ele menciona figuras fascinantes dessa História renascentista. A própria Elizabeth I foi a grande mecenas de Shakespeare e da companhia dele, responsável pela prosperidade que ele teve em vida. E essas rainhas são figuras que têm em suas trajetórias fatos extremamente teatrais. É isso que me interessa”, explica Brazil.
O contexto do espetáculo
A peça que não é biográfica, começa a partir da disputa pelo trono Inglês entre as Rainhas Elizabeth I e Mary Stuart. Sendo a única herdeira legítima do Rei escocês Jaime V, Mary assumiu o trono com apenas 6 anos de idade, ela teve diversos maridos e com isso acabou por atuar sempre como rainha consorte, sem exercer de fato o poder que à ela havia sido atribuido.
Considerada pelos católicos ingleses como a legítima soberana da Inglaterra, já que Elizabeth I era filha bastarda do rei Henrique VIII, ela esteve envolvida com uma revolta conhecida como Rebelião do Norte e tentou depor a própria prima para assumir o poder em seu lugar. Vendo-a como uma real ameaça, Elizabeth I aprisionou-a em vários castelos e mansões no interior do país. E, depois de 18 anos, Mary foi condenada por tramar o assassinato da prima – dentro da própria prisão. E foi decapitada em 1587, aos 44 anos.
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Já Elizabeth I, que ficou conhecida como a “A Rainha Virgem” por nunca ter se casado, assumiu o reinado aos 25 anos. Isso aconteceu depois de uma longa briga pela sucessão do trono desencadeada pela morte de seu irmão Eduardo VI. Ao contrário de sua grande rival, ela exerceu ativamente o poder e abriu mão de se casar e ter filhos para continuar com sua soberania. Ela também é considerada uma das rainhas mais prósperas, responsável por conduzir a monarquia inglesa por sua chamada ‘Era de Ouro’.
O espetáculo Maria da Escócia
A ideia da peça Maria da Escócia, é propor ao público um encontro fictício entre Maria e Elizabeth I, às vésperas da execução da primeira. Por um lado, Maria tenta convencer a prima a não cortar sua cabeça. Por outro, Elizabeth procura alguma forma de não ter que fazer isso, mas ainda assim continuar no poder inglês.
Ao público cabe, segundo o diretor, assumir uma posição diante de tal conflito entre primas. ‘“Tomamos bastante cuidado para não retratar Elizabeth I como tirana na nossa peça. O público vai compreender que as duas tiveram sua responsabilidade no desfecho. As personagens tentam se entender. Elizabeth precisa decidir o que fazer com o destino da prima como uma questão de estado, porque a situação está insustentável e ela está sendo pressionada. Imagine o que é para uma rainha ter que mandar decapitar a outra.”, afirmou Alexandre.
Já em cena, as personagens estão separadas por grades que diferentemente da prisão medieval, lembra um presídio de segurança máxima.
“É interessante que, no começo do espetáculo, o público talvez se pergunte: quem está realmente presa? E, de certa maneira, as duas estão aprisionadas. A Maria, literalmente, e a Elizabeth I, por todas as questões que ela precisa lidar para se manter no poder.”, revela o diretor de Maria da Escócia.
Proposta atemporal
Por ter uma proposta atemporal, os figurinos da peça começam preservando a ambientação do século 16, mas são “desmontados” no decorrer da história assim como outros elementos da montagem. Esse fato mostra que, sim, essa história poderia ser atemporal.
“Não queremos exatamente traçar paralelos explícitos com o que se passa hoje no Brasil. O que é fundamental e nos impressiona é como as relações de poder pouco mudaram do século 16 para cá. Queremos discutir o quanto esse poder, quando mal usado, pode ser avassalador para o povo e para os próprios governantes. É claro que estamos falando de outro sistema, a monarquia, mas acho importante olharmos para as questões políticas do passado e percebermos como tudo é muito parecido com o que temos hoje.”, acrescenta o diretor.
É importante falar também que a questão do gênero também é de uma certa forma tratada pela peça. Uma vez que são duas mulheres no poder, mas que de alguma forma são depreciadas pois foram colocadas ali por homens e estão rodeadas deles o tempo todo, assim como afirmou o diretor da peça Alexandre Brazil.
“É preciso considerar a depreciação da mulher. Quando olhamos para essas duas rainhas do século 16 ficamos impressionados, mas elas foram colocadas nesse lugar de poder por homens e elas estão cercadas por eles o tempo todo. Elizabeth consegue romper parcialmente com isso, mas, na peça, não consegue ter um companheirismo e o que hoje chamamos de sororidade com a própria prima, pois ela é pressionada a executá-la”.